- Louco é quem vive em seu mundo.Como os esquizofrênicos, os psicopatas, os maníacos.Ou seja, pessoas que são diferentes das outras.
- Como você?
- Entretanto- continuou Zedka, fingindo não ter escutado o comentário- você já deve ter ouvido falar de Einstein, dizendo que não havia tempo nem espaço, mas uma união dos dois.Ou Colombo, insistindo que do outro lado do mar não estava um abismo, e sim um continente.Ou Edmond Hillary, garantindo que um homem podia chegar ao topo do Evereste.Ou dos Beatles, que fizeram uma música diferente e se vestiram como pessoas totalmente fora de sua época.Todas essas pessoas (e milhares de outras) também viviam no seu mundo. (...)
-Vou lhe contar uma história - disse Zedka.- Um poderoso feiticeiro, querendo destruir um reino, colocou uma poção mágica no poço onde todos os seus habitantes bebiam.Quem tomasse aquela água ficaria louco.
Na manhã seguinte, a população inteira bebeu, e todos enlouqueceram, menos o rei que tinha um poço só para si e sua família, onde o feiticeiro não conseguia entrar.Preocupado ele tentou controlar a população baixando uma série de medidas de segurança e saúde pública, mas os policiais e inspectores haviam bebido a água envenenada, e acharam um absurdo as decisões do rei resolvendo não respeitá-las de jeito nenhum.
Quando os habitantes tomaram conhecimento dos decretos ficaram convencidos de que o soberano enlouquecera, e agora estava escrevendo coisas sem sentido.Aos gritos, foram até o castelo e exigiram que renunciasse.
Desesperado o rei prontificou-se a deixar o trono, mas a rainha o impediu, dizendo: "Vamos agora até a fonte, e beberemos também.Assim ficaremos iguais a eles".
E assim foi feito: o rei e a rainha beberam a água da loucura, e começaram imediatamente a dizer coisas sem sentido.Na mesma hora, os seus súditos se arrependeram: "Agora que o rei estava mostrando tanta sabedoria, por que não deixá-lo governando o país?"
O país continuou em calma, embora seus habitantes se comportassem de maneira muito diferente de seus vizinhos.E o rei pôde governar até o final de seus dias.
Veronika riu.
- Você não parece louca.- disse.
- Mas sou, embora esteja sendo curada, porque o meu caso é simples: basta recolocar no organismo uma determinada substancia química.Entretanto, espero que esta substancia resolva apenas o meu problema de depressão cronica, quero continuar louca, vivendo minha vida da maneira que sonho, e não da maneira que os outros desejam.Sabe o que existe lá fora, além dos muros de Villete?
- Gente que bebeu do mesmo poço.
-Exatamente- disse Zedka.- Acham que são normais, porque todos fazem a mesma coisa.Vou fingir que também bebi daquela água.
- Pois eu bebi, e é este, justamente, o meu problema.Nunca tive depressão, nem grandes alegrias, ou tristezas que durassem muito.Meus problemas são iguais aos de todo mundo.(...)"
[Veronika decide morrer - Paulo Coelho]
E é aí que eu me pego pensando: E tem tanta gente que se orgulha em se dizer normal.
[Ana Hemb]
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